segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Relatório: 26 de janeiro de 2009

'
Das rotinas de bordo às rotinas de terra firme. Não há muito o que acrescentar, senhores, salvo que a falta de tempo tem me impedido de mandar os relatórios regularmente, ainda mais com essa nova situação de comunicação escassa (sem internet).

Mas o que posso dizer? Os dias têm sido agitados, o que nem sempre quer dizer produtivos. E são exatamente esses dias que o nosso planejamento tem buscado evitar. Precisamos partir o quanto antes.

Sonhei esses dias com um lugar que eu nunca tinha visto.
'

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Da série: "Que que ce tava recitando?"

'
Todo Anjo é terrível.
E no entanto, ai de mim, eu vos invoco,
pássaros quase mortais da alma,
sabendo como sois.

Pois nos tempos remotos de Tobias
o mais radiante dentre vós
aparecia no limiar da casa humilde,
sem intimidar,
levemente disfarçado para a viagem

jovem
que outro jovem,
curioso,
contemplava.

Adiantasse hoje em dia o Arcanjo,
a ameaça por trás das estrelas,
um passo apenas para o nosso lado:
no grande sobressalto
destruir-nos-ia
o próprio coração.

Quem sois?

Precoces perfeições,
perfil dos altos cumes,
cimos alvorecentes da criação
pólen da divindade em flor,
articulações de luz,
corredores, escadas, tronos,
recintos da essência, escudos de alegria,
tumultos de êxtases tempestuosos,
e, subitamente solitários,
espelhos
cuja beleza reflui
restituída à face que contempla.

Enquanto em nós, ai de nós, o sentir é o dissipar-se
exalamos nosso ser;
e de uma ardência a outra desvanecemos.
Alguma vez nos dizem:
"circulas no meu sangue,
este quarto, a primavera,
estão cheios de ti".
Inutilmente procuram nos reter.
Evolamos.
E aqueles que são belos, oh, quem os deteria?
A aparência transita sem descanso em seu rosto e se dissipa.
Tal o orvalho da manhã e o calor do alimento,
o que é nosso
flutua e desaparece.

Ó sorrisos, para onde?
E tu, olhar erguido,
fugitiva onda ardente e nova do coração?
Ai de nós, assim somos.

Estará o mundo impregnado de nós,
que nele nos perdemos?
E os Anjos,
retomarão apenas o que deles fluiu?
Talvez um pouco de humano se encontre às vezes em seus traços,
como o vago no rosto das mulheres grávidas.
Eles porém nada percebem,
no turbilhão do retorno a si mesmos.

Se o soubessem,
os enamorados diriam estranhas coisas no ar noturno.

No entanto, parece que tudo nos oculta.
Olhai,
as árvores são;
as casas que habitamos, resistem.
Somente nós passamos,
permuta aérea,
em face de tudo.
E tudo conspira para o nosso silêncio:
o pudor,
ou quem sabe
que indizível esperança.

Há contato entre nós.
Teríeis provas?
Às vezes minhas mãos se reconhecem
ou meu rosto gasto tenta nelas se abrigar.
Isto me dá uma certa consciência de mim mesmo.
Mas, quem, por tão pouco, ousaria ser?

Enquanto vós,
acrescidos no êxtase um do outro
até que exausto, um suplique: basta!
vós, cujas mãos descobrem a riqueza dos anos de vinho
e que vos dissolveis para que o outro domine,
eu vos pergunto:
qual o nosso segredo?

Eu sei, bem-aventurado é vosso contato,
as carícias sutilmente protegem,
retêm a duração pura;
e o amplexo,
não vos promete quase a eternidade?
Quando resistis ao sobressalto dos primeiros olhares,
à ansiosa espera na janela,
ou quando ultrapassais o primeiro passeio, juntos, num jardim:
Amantes, sois vós ainda?

Quando pousais os vossos lábios,
como taças,
oh, como se evade então,
estranhamente,
o embriagado.

Admirastes nas estelas gregas
a prudência do gesto humano?
O amor e o adeus sobre as espáduas pousavam de leve,
como se de outra matéria fossem feitos,
que nós desconhecemos.
Lembram das mãos que, sem peso, se apoiavam, apesar dos corpos vigorosos?
Senhores de nós mesmos,
nós dizíamos:
aqui estamos,
em nosso palpável domínio;
mais poderosamente que nós
os deuses podem nos premir.
Mas isso é assunto dos deuses.

Ah, encontrássemos também nós
uma estreita faixa de terra fértil,
puramente humana,
entre a torrente e a rocha!

Pois nosso coração nos ultrapassa
ontem como hoje
e é impossível saciá-lo
com figuras apaziguantes,
ou em corpos divinos
que, imensos, moderam-se.

Quem sois vós?

Qual é o nosso segredo?

Isso é "como eu li" a segunda Elegia de Duíno, que pra mim é melhor até que a primeira, que eu também li antes dessa e tá no link lá em cima. Tem a original nesse link aqui.
'